segunda-feira, 20 de abril de 2015

Doação com encargo e a questão do imposto incidente

Como se sabe, a Constituição de 1988 cindiu o Imposto Sobre Transmissão de Bens imóveis e de Diretos a ele Relativos, inserindo na competência municipal a transmissão inter vivos e a título oneroso, de um lado, e de outro lado, inserindo na esfera de competência dos Estados a transmissão causa mortis de bens imóveis e de direitos a ele relativos, bem como acrescendo a tributação da doação de bens de qualquer natureza, sejam bens imóveis ou móveis, corpóreos ou incorpóreos, ou semoventes.
Dessa forma, surgiu uma controvérsia antes inexistente, sempre que se tratar de doação com encargo. Qual o imposto incidente no caso? ITCMD ou ITBI? Por ora, não há julgados a respeito. Analisemos a matéria.
A doação é um contrato bilateral caracterizado por liberalidade condicionada ou não de uma das partes – o doador –  que transfere com a concordância de outra – o donatário –  bens ou vantagens de seu patrimônio.
Na hipótese de doação pura ou incondicionada nenhuma dúvida pode restar quanto à incidência do ITCMD qualquer que seja o objeto da doação: dinheiro, título, imóvel, direito de crédito, veículo etc.
Dúvida surge quando se tratar de doação com encargo. Algumas leis estaduais, como a do Estado de São Paulo inclui expressamente na esfera de tributação pelo ITCMD a doação com encargo (§ 3º, do art. 2º da Lei nº 10.705/00). Esse fato, evidentemente, por si só, não afasta a controvérsia. Tanto é que existem inúmeras leis municipais autorizando o Executivo a doar terrenos com encargo para construção de conjuntos habitacionais ou de creches, mediante dispensa da cobrança do ITBI. A sua dispensa expressa está a significar que a operação referida – doação com encargo – submete-se  à tributação pelo  ITBI, do contrário a sua dispensa seria desnecessária. Uma das regras da hermenêutica é a de que na lei não existem dispositivos ou palavras inúteis.
Não há, ainda,  posicionamento definitivo da doutrina sobre esse assunto.  Mauro Luís Rocha Lopes sustenta que na doação com encargo incide apenas o ITBI se o ônus atinente ao encargo for proporcional ao valor do bem transmitido, hipótese em que o contrato de doação assume a característica onerosa.[1]
No  nosso entendimento na doação com encargo incide apenas o ITCMD. Não nos impressiona o exemplo da doação do terreno com o encargo de construir creches ou unidades habitacionais, porque o donatário adquire a propriedade do terreno de forma gratuita. Conforme escrevemos, “na doação com encargo haverá apenas incidência do ITCMD, porque o caráter de liberalidade permanece ainda que de forma restritiva”.[2]
Contudo, somente a jurisprudência poderá dirimir de forma definitiva essa questão controvertida.
[1] Direito tributário brasileiro. Niteroi: Impetus,2009, p.324.
[2] Cf. nosso ITBI doutrina e prática. São Paulo. Atlas,  2010, p.  170.]

Fim da guerra fiscal sobre ICMS no e-commerce

Foram necessários pouco mais que três anos para que uma das maiores discussões do e-commerce, no âmbito tributário, chegasse ao fim.
Falamos aqui da batalha entre os estados do Norte, Nordeste e Centro-oeste e estados do Sul e Sudeste, sobre as receitas de ICMS sobre as operações de venda não presencial, ou seja, pela internet, ao consumidor final não contribuinte do imposto.
Como é sabido, o conflito teve sua origem com a publicação do Protocolo ICMS nº 21 do CONFAZ – Conselho Nacional de Política Fazendária – que dispõe sobre a repartição da alíquota de ICMS entre os estados de origem e destino da mercadoria nas operações mencionadas, obrigando, inclusive, os Estados não signatários do Protocolo.
Ocorre que, na prática, os prejudicados foram os contribuintes, haja vista que os estados do Sul e Sudeste cobravam o imposto com alíquota interna (17% a 19%), obedecendo à regra constitucional, enquanto os estados das demais regiões começaram a cobrar o diferencial de alíquota (10% a 12%), de acordo com a regra do protocolo, o que acabou por resultar em uma tributação extremamente superior, naturalmente repassada no preço da mercadoria e suportada pelo consumidor final.
Essa situação foi prontamente repudiada e combatida pelos contribuintes por meio de ações contra a constitucionalidade da cobrança adicional e suas consequências, como apreensão das mercadorias sem o recolhimento do imposto devido ao estado de destino do bem, tendo sido decretada a inconstitucionalidade do Protocolo ICMS nº 21 em setembro de 2014, com modulação dos seus efeitos.
Paralelamente, tanto o Senado quanto a Câmara elaboraram propostas de emendas à Constituição como forma de solucionar o conflito, tendo sido, após longo processo legislativo, aprovada a nova regra, que passa a vigorar ainda este do ano, respeitada a noventena[1].
De acordo com a nova regra, no caso de vendas intermunicipais via internet para consumidor final não contribuinte, os estados destinatários das mercadorias terão direito a participação na distribuição do imposto do produto referente ao diferencial entre a alíquota interna e interestadual. Assim, fica dividido o ICMS entre o estado onde está situada a loja online ou centro de distribuição e o estado onde está localizado o consumidor dessa mercadoria.
Vale lembrar que, foi também aprovada uma regra de transição para a mudança, eis que sua mudança imediata geraria um rombo no orçamento dos estados não signatários do protocolo mencionado. Desta forma, ficou estabelecido que o diferencial de alíquota devido em 2015, 20% fica para o estado de destino e 80% para o estado de origem; em 2016, serão 40% para o estado de destino e 60% para o estado de origem; em 2017, 60% para o estado de destino e 40% para o estado de origem; em 2018: 80% para o estado de destino e 20% para o estado de origem; e, a partir de 2019, 100% para o estado de destino.
Por fim, lembramos que os contribuintes que sofreram ou vem sofrendo os impactos da tributação criada pelo Protocolo ICMS nº 21, em nossa visão, possuem o direito de restituição do tributo pago indevidamente em razão das operações interestaduais de comercio eletrônico desde abril de 2011, haja vista a decisão proferida pelo STF em setembro do ano passado.

Vedação ao confisco: garantia inútil, correção a caminho

Vedação ao confisco: garantia inútil, correção a caminho
Como forma de proteger os contribuintes contra eventuais excessos tributários do Estado, a Constituição trouxe uma vedação ao confisco nos seguintes termos:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:IV – utilizar tributo com efeito de confisco;
Segundo o dicionário, confisco é “apreender em favor do fisco”. A ideia de “confiscar” está próxima de “tomar algo de alguém”, assumindo assim caráter punitivo.
O conceito de “efeito confiscatório” decorrente dos tributos é um tema sobre o qual ainda não há consenso.
Vendo pelo aspecto punitivo, tal limitação seria desnecessária pois, por definição, o tributo não constitui de sanção de ato ilícito.
Tal princípio deve ser visto como a impossibilidade de alguém vir a perder propriedade sua para o Fisco em virtude da tributação, ou seja, proibir que a tributação atinja níveis tão elevados de modo a provocar a perda de qualquer bem ou seu equivalente em dinheiro. Deriva da necessária observância da capacidade contributiva.
Para Baleeiro, os tributos com efeito confiscatório são aqueles “…que absorvem parte considerável do valor da propriedade, aniquilam a empresa ou impedem o exercício da atividade lícita e moral”[2].
A partir de que nível o tributo passa a ostentar natureza confiscatória?
Embora não haja consenso, a definição do nível de tributação a partir do qual se tem o efeito confiscatório deve levar em conta o princípio da razoabilidade e o da proporcionalidade. Verdade é que não há critério objetivo para se dizer de efeito confiscatório.
O princípio da não utilização de tributo com efeito de confisco dá-se, também, pela falta de correspondência entre a punição de um ato ilícito e a cobrança de um tributo.
A vedação ao confisco é dirigida ao gênero tributo.
Seria possível exigir uma taxa com efeito confiscatório?
Nessa situação, não se pode entender o confisco como o instituto que aniquila a capacidade contributiva, posto que a existência dessa capacidade é irrelevante para a fixação do valor da taxa.
Considerando que a taxa tem por objetivo indenizar o custo que o Estado teve na prestação do serviço público, seu valor deverá ser algo próximo desse custo. Caso o valor da taxa seja significativamente superior ao custo de prestação do respectivo serviço, estaremos diante de uma situação confiscatória.
O STF[3] já manifestou entendimento de que a verificação do efeito confiscatório deve tomar em conta a carga tributária como um todo e não apenas um tributo de forma isolada.
“Ementa – … A TRIBUTAÇÃO CONFISCATÓRIA É VEDADA PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. … – A proibição constitucional do confisco em matéria tributária nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, por exemplo). A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico-financeira, à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público. Resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo – resultante das múltiplas incidências tributárias estabelecidas pela mesma entidade estatal – afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou os rendimentos do contribuinte. – O Poder Público, especialmente em sede de tributação (as contribuições de seguridade social revestem-se de caráter tributário), não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade. …”[4]
Desse entendimento, necessidade de observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, deriva a possibilidade de tributos com natureza nitidamente extrafiscal, como é o caso dos impostos incidentes sobre o comércio exterior, virem a ter suas alíquotas fixadas de forma proibitiva.
Imagine, como exemplo, um perfume importado sujeito a uma alíquota de Imposto de Importação igual a 100%.
Não se trata aqui de dizer de ser essa exceção ao princípio do não confisco pois exceção não há. Mesmo que assim não fosse, já se viu que o reconhecimento do efeito confiscatório reclama a análise da carga tributária como um todo.
Outro tema sobre o qual não há consenso: as multas absurdas, da ordem de 200%, apresentam natureza confiscatória? Se a resposta for afirmativa, restaria afrontado o princípio do não confisco?
Machado entende que a multa encontra-se ao desabrigo da proteção, pois tributo e multa, evidentemente, não se confundem. Outra corrente, que tem expoente na pessoa do prof. Ives Gandra, entende que ao vedar o uso do tributo com efeito confiscatório o constituinte se referiu à obrigação principal, ou seja, aquela que tem por objeto levar dinheiro ao Estado, seja decorrente do tributo ou da penalidade.
O STF tem manifestado entendimento no sentido de afastar a aplicação de penalidades de caráter confiscatório. Tome-se como exemplo a ADI 551 ajuizada “…pelo Governador do Rio de Janeiro, que a apresentou contra dispositivo da Constituição daquele Estado que determinava não poderem as multas por infrações tributárias ser inferiores a duas vezes o valor do tributo, quando por falta de recolhimento, e a cinco vezes, quando resultantes de sonegação de tributo”.[5]
“EMENTA: …. A desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua consequência jurídica, a multa, evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do contribuinte, em contrariedade ao mencionado dispositivo do texto constitucional federal. Ação julgada procedente.”[6]
O Poder Judiciário pode, em sede de controle normativo abstrato, reconhecer o efeito confiscatório ainda que se trate de multa fiscal.
Dos votos proferidos nesse julgamento fica clara a dificuldade de se saber a partir de que ponto determinada carga tributária é confiscatória:
“…esse problema da vedação de tributos confiscatórios que a jurisprudência do Tribunal estende às multas gera, às vezes, uma certa dificuldade de identificação do ponto a partir de quando passa a ser confiscatório  (…) Também não sei a que altura um tributo ou uma multa se torna confiscatório; mas uma multa de duas vezes o valor do tributo, por mero retardamento de sua satisfação, ou de cinco vezes, em caso de sonegação, certamente sei que é confiscatório e desproporcional.”[7]
“Portanto, penso que se pode invocar o art. 150, inciso IV, da Constituição Federal, e, obviamente, o princípio da proporcionalidade na acepção que este Tribunal tem lhe emprestado do devido processo legal no sentido substancial ou substantivo.”[8]
“Constatamos que as multas são acessórias, e não podem, como tal, ultrapassar o valor do principal. No caso, quando se cogita de multa de duas vezes o valor do principal – que é o tributo não recolhido – ou de cinco vezes, na hipótese de sonegação, verifica-se o abandono dessa premissa e dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.”[9]
Note que o ministro Marco Aurélio parece sugerir a aplicação da limitação prevista no art. 412 do Código Civil:
Art. 412.  O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.
Fazendo uma síntese do que até aqui foi exposto temos:
  1. Não há definição jurisprudencial de confisco;
  2. Não há definição de limites para se extremar o confiscatório do não confiscatório;
  3. Para se dizer de efeito confiscatório é necessário avaliar a carga tributária total suportada por cada indivíduo;
  4. Tal proteção também aplicável às penalidades tributárias.
É de concluir então a total inutilidade dessa garantia pois não há como aplicá-la diante da falta de seus elementos definidores. Eventual aplicação dessa garantia às multas tributárias absurdas decorre de julgamentos pontuais e da aplicação subjetiva dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Para grata surpresa dos contribuintes, o Supremo Tribunal Federal sinalizou haver uma luz no fim do túnel que leva à correção dessa situação.
O jornal Valor Econômico, em sua edição do dia 26/01/2015, trouxe em sua capa notícia Assim versada:
“Contribuintes multados em valores bem superiores ao tributo devido poderão reduzir o montante a ser pago ao Fisco. A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal determinou que multa aplicada ao contribuinte não pode ser superior a 100% do valor do tributo. Na Receita Federal, as multas começam em 75% por sonegação e podem chegar a 225% se o contribuinte criar “embaraço à fiscalização”. No Estado de São Paulo, a autuação pode ser de 300% por deixar de recolher o ICMS decorrente do uso do Emissor de Cupom Fiscal. O resultado são débitos muito elevados, que às vezes podem até mesmo quebrar a empresa.”[10]
Embora ainda se tenha uma multa bastante elevada (100%), a decisão tomada pela 1ª Turma do STF, tem o mérito de definir um parâmetro que possa definir o que seja multa tributária com efeito confiscatório.
Lado outro, vislumbra-se a possibilidade de sucesso em ações de repetição de indébito que tenham por objeto reaver valores já pagos e relativos a multas fixadas em alíquotas superiores a 100%.
Vale que lembrar que o passar do tempo elimina o direito à restituição cujo prazo prescricional é de cinco anos contados a partir da extinção do crédito tributário.
Para um ano novo tão carente de boas notícias, essa não deixa de ser uma notícia interessante.
[1] 35 anos de experiência profissional diversificada, sendo 12 deles em cargos gerenciais exercidos em empresas de grande porte e seguimentos variados. Advogado militante por 15 anos com atuação destacada nos ramos do direito tributário e empresarial.
[2] (Baleeiro, Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, 1997)
[3] ADC-MC 8/DF
[4] ADC 08, com nosso grifo.
[5] (Ovalle, 2009)
[6] ADI 551
[7] Ministro Sepúlveda Pertence
[8] Ministro Gilmar Mendes
[9] Ministro Marco Aurélio
[10] http://www.valor.com.br/legislacao/3877404/supremo-decide-que-multa-fiscal-nao-pode-ser-maior-que-100

sexta-feira, 10 de abril de 2015

O “ajuste fiscal” de abril de 2015. Pis e Cofins sobre receitas financeiras no regime não cumulativo. Inconstitucionalidade

I – Considerações iniciais e circunscrição do tema. II – Breve histórico legislativo. III – Incidência sobre receita financeira no regime cumulativo e no regime não cumulativo. IV – Das inconstitucionalidades da imposição do PIS e da COFINS sobre as receitas financeiras das empresas sujeitas ao regime não cumulativo. IV. 1 – Violação ao princípio da isonomia do artigo 150, II da Constituição Federal. IV. 2 – A questão da redução ou restabelecimento das alíquotas do PIS e da COFINS sobre receitas ou despesas financeiras por decreto do Poder Executivo. Inconstitucionalidade. IV. 3 – Ofensa ao princípio da não cumulatividade do PIS e da COFINS. Impossibilidade de compensação das despesas financeiras. V – Conclusões.
I – Considerações iniciais e circunscrição do tema.
“O governo prevê arrecadar, até o final do ano, R$ 2,7 bilhões com o aumento do PIS e COFINS sobre as receitas financeiras de empresas em 2015. A medida foi publicada na quinta-feira, 2, e afetará 80 mil empresas em todo o País”. (DCI – LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS)
Lamento escrever mais uma vez sobre o tema da imposição tributária inconstitucional para suprir os cofres da União.
Esse constrangimento se dá por ver um tesouro combalido por desvios de recursos que são mal administrados; que servem para custear o abrigo de companheiros partidários incompetentes; e por serem empregados em benefício próprio de quem se propõe servir ao povo, bem como, por se ver alastradas tais mazelas em toda a administração pública.
Em vez de tais recursos serem empregados na prestação de serviços públicos necessários à promoção dos direitos fundamentais dos brasileiros que já se mostram aflitivos como o direito a educação, a saúde, a segurança, a transportes públicos de qualidade, a uma razoável infraestrutura rodoviária, ferroviária, portuária, energética e muitos outros, constata-se o desperdício dos recursos públicos com a própria manutenção da burocracia do Estado paquidérmico; excessivos gastos que provocam o endividamento estatal e o aumento da Inflação e, principalmente, o recrudescimento da corrupção.
Tudo consequência dos desmandos cometidos anteriormente sem o efetivo cumprimento das finalidades sociais desse Estado, o que leva à atual proposta de “ajuste fiscal”, o qual está basicamente calcado em mais aumento da carga tributária.
Tais aumentos de tributos – nossa carga tributária já é uma das maiores do mundo – levam ao desestímulo de investimentos para o aumento da produção interna; diminuem a competitividade dos produtos nacionais frente aos importados; consequentemente, ao desemprego; ao aumento dos juros; e, à estagnação da economia dentre outras consequências.
É verdade que, no momento, é necessário um ajuste fiscal, porém, o limite da carga tributária já é absurdo e os desperdícios e a corrupção são monstruosos e, estes, sim, que deveriam ser combatidos.
Nota-se que a proposta de “ajuste fiscal”, em apreciação do Congresso Nacional, implica na aprovação de Medida Provisória e debate e aprovação de leis, porém, a burocracia fiscal “tirou um coelho da cartola” suficiente para aumentar as alíquotas do PIS e da COFINS, por Decreto, que independe de qualquer aprovação legislativa.
Trata-se do aumento das alíquotas de 0% (zero por cento) sobre receitas financeiras das empresas que estão sujeitas ao PIS e à COFINS no regime não cumulativo estabelecidas pelo Decreto n° 5.442/2005, para 0,65% (sessenta e cinco centésimos por cento) e 4% (quatro por cento), respectivamente, pelo Decreto n° 8.426/2015.
Considero totalmente desarrazoado o aumento de tributos nessa quadra, porém, mesmo que fosse razoável tal aumento é inconstitucional e a demonstração desta inconstitucionalidade é o objeto deste estudo.
II – Breve histórico legislativo.
Os artigos 2º e 3º § 1º da Lei nº 9.718/98, previam a incidência do PIS e da COFINS sobre o faturamento, e este segundo o mencionado §1º do artigo 3º é a receita bruta das empresas entendendo-se “por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas”.
Esse §1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98 foi julgado inconstitucional pelo Plenário deste Excelso Tribunal nos RREE números 358.273-9/RS, 390.840-5/MG e 346.084-6/PR, além de centenas de outros julgados.
Sendo assim, sob o comando da Lei nº 9.718/98 o PIS e a COFINS incidem somente sobre o faturamento, assim entendido a venda de mercadoria e de serviço ou a venda de mercadoria e serviço de qualquer natureza (Lei Complementar 70/91 artigo 2º).
Logo, sob o comando da Lei nº 9.718/98 o PIS e a COFINS não podem incidir sobre receita financeira.
Posteriormente, com o advento da EC n° 20/98 que possibilitou a tributação das contribuições do artigo 195, I, “b” sobre receita ou faturamento, a Lei nº 10.637/2002, ao introduzir a não cumulatividade do PIS a partir de sua vigência em 1o de dezembro de 2002, prescrevia em seu artigo 1º, §1º que “Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica”.
Observe-se que a Lei n° 10.637/2002 que criou o regime não cumulativo para o PIS é anterior à EC n° 42/2004 que introduziu o §12 do referido artigo 195 da Constituição e, se com ele incompatível foi revogada.
No mesmo sentido é o artigo 1º da Lei nº 10.833/2003 (COFINS), a qual entrou em vigor em 1º de fevereiro de 2004 que também criou o regime não cumulativo para a COFINS.
Como visto anteriormente, no regime cumulativo o PIS e a COFINS não podem incidir sobre qualquer receita financeira.
Já no regime não cumulativo da Lei nº 10.637/2002 e da Lei nº 10.833/2003 as contribuições para o PIS e para a COFINS, incidiam sobre a totalidade da receita auferida pela pessoa jurídica, independentemente de sua classificação contábil, alcançando, portanto, as receitas financeiras.
Pois bem, no início do regime não cumulativo, as empresas tinham o direito ao crédito do PIS e da COFINS relativo às despesas financeiras e em contrapartida deveriam pagar as referidas contribuições sobre as receitas financeiras.
Entretanto, a partir de 1º de agosto de 2004, data da vigência da Lei nº 10.865/2004, artigo 21, foi vedado o aproveitamento de créditos de PIS e COFINS referente às despesas financeiras.
A solução para a questão introduzida pela Lei nº 10.865/2004 que excluiu a possibilidade de dedução de créditos das despesas financeiras diante dos débitos das receitas financeiras para efeito do cálculo do PIS e da COFINS não cumulativos, se deu através do Decreto nº 5164/2004, confirmado posteriormente pelo Decreto n° 5.442/2005.
Tais decretos reduziram a 0% (zero por cento) as alíquotas de PIS e COFINS sobre as receitas financeiras para as empresas enquadradas no regime não cumulativo.
Com a entrada em vigor do Decreto nº 5.442/2005 em 09/05/2005, foi mantida a alíquota de 0% (zero por cento) para o PIS e a COFINS incidentes sobre as receitas financeiras para as empresas tributadas pelo regime não cumulativo passando a ser abrangidas pelo beneficio, também, as receitas decorrentes de operações de hedge.
Manteve, entretanto, este último Decreto, a incidência do PIS/COFINS não cumulativos sobre as receitas decorrentes de juros sobre o capital próprio excluídas do benefício.
Assim, as pessoas jurídicas ou estão sujeitas à tributação do PIS/COFINS na forma cumulativa da Lei nº 9.718/98, ora por terem optado pela tributação do imposto de renda das pessoas jurídicas – IRPJ com base no lucro presumido, ora porque suas receitas são decorrentes da execução por administração, empreitada ou subempreitada de construção civil, etc.
Especialmente o artigo 8º, II da Lei n° 10.637/2002 e artigos 10, incisos I a XXVI e 15, incisos I a VI da Lei n° 10.833/2003 arrolaram os casos e as receitas ou empresas que continuaram no regime cumulativo da Lei n° 9.718/98.
III – Incidência sobre receita financeira no regime cumulativo e no regime não cumulativo.
Da dicção das normas citadas anteriormente haver-se-á de convir que nos casos ali previstos e para as pessoas jurídicas ali nomeadas, o recolhimento do PIS/COFINS será efetuado com base nas normas da Lei nº 9.718/98 às alíquotas de 0,65% e 3% respectivamente não podendo incidir sobre qualquer receita financeira diante das decisões deste Excelso Tribunal que considerou inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei ° 9.718/9.
Ocorre que através do Decreto n° 8.426/2015 as receitas financeiras das empresas sujeitas ao regime não cumulativo passaram a ser tributadas pelo PIS e pela COFINS às alíquotas de 0,65% (sessenta e cinco centésimos por cento) e 4% (quatro por cento), respectivamente, porém, permanece vedado o aproveitamento de créditos de PIS e COFINS referente às despesas financeiras.
Destas considerações é possível concluir que:
a) Existem pessoas jurídicas que pagam o PIS e a COFINS com base na Lei n° 9.718/98 (regime cumulativo), às alíquotas de 0,65% e 3%, respectivamente, NÃO INCIDINDO SOBRE QUALQUER RECEITA FINANCEIRA; e,
b) Existem outras pessoas jurídicas que estão sujeitas ao pagamento do PIS e da COFINS no regime não cumulativo da Lei nº 10.637/2002 e da Lei nº 10.833/2003 às alíquotas de 1,65% e 7,6%, respectivamente, e que pagam tais tributos sobre as receitas financeiras inclusive decorrentes de operações realizadas para fins de hedge, com alíquotas que são de 0,65% (sessenta e cinco centésimos por cento) e 4% (quatro por cento), respectivamente, exceto sobre os juros sobre o capital próprio – JCP cujas alíquotas são de 1,65% e 7,6%, respectivamente.
IV – Das inconstitucionalidades da imposição do PIS e da COFINS sobre as receitas financeiras das empresas sujeitas ao regime não cumulativo.
1 – Violação ao princípio da isonomia do artigo 150, II da Constituição Federal.
Após as observações anteriores, às recorrentes cabe demonstrar a ofensa ao princípio da isonomia inserto no artigo 150, II da Constituição, pelo qual é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”.
Não são necessárias maiores indagações para se constatar que as disposições legais mencionadas anteriormente, quanto à imposição do PIS e da COFINS sobre as receitas financeiras no regime de não cumulatividade ofende o princípio da isonomia, uma vez que a incidência das mencionadas contribuições:
1º – Institui tratamento desigual entre contribuintes que se encontram em situação equivalente;
2º – Este tratamento desigual é perpetrado em razão da “ocupação do contribuinte”, ou seja, da atividade profissional que exerce consoante artigo 8º, II da Lei n° 10.637/2002 e artigos 10, incisos I a XXVI e 15, incisos I a VI da Lei n° 10.833/2003; e,
3º – Em função da forma de apuração do imposto de renda – IRPJ e da contribuição social sobre os lucros da sociedade – CSLL, (se pelo lucro real o pelo lucro presumido) fato que nada tem a ver com a hipótese de incidências do PIS e da COFINS, cuja base de cálculo é a receita.
Assim, se um contribuinte se dedica ao transporte coletivo rodoviário, metroviário, ferroviário e aquaviário de passageiros; ao jornalismo; agências de viagem, informática e outras relacionadas nos incisos do artigo 10 da Lei n° 10.833/2003, ou se determinada empresa é tributada pelo IRPJ e pela CSLL com base no “lucro presumido”, NÃO PAGAM PIS E COFINS SOBRE QUALQUER RECEITA FINANCEIRA.
Do exposto, basta o fato de outros contribuintes elencados na lei não pagarem o PIS e a COFINS sobre qualquer receita financeira, em função de sua “ocupação” ou da “atividade profissional que exerçam”, para que exsurja cristalina a ofensa ao princípio da isonomia.
Acrescente-se que tal fato ocorre porque a base de cálculo do PIS e da COFINS é a RECEITA AUFERIDA em determinado período por qualquer destes contribuintes, quer sejam aqueles sujeitos ao regime cumulativo, quer sejam os demais albergados pela não cumulatividade destes tributos.
2 – A questão da redução ou restabelecimento das alíquotas do PIS e da COFINS sobre receitas ou despesas financeiras por decreto do Poder Executivo. Inconstitucionalidade.
Anteriormente à vigência da Lei n° 10.865/2004, o inciso V do artigo 3º da Lei n° 10.833/2004 e o inciso V do artigo 3º da Lei n° 10.637/2002 prescreviam que davam direito ao crédito da COFINS e do PIS, respectivamente:
V – despesas financeiras decorrentes de empréstimos, financiamentos e o valor das contraprestações de operações de arrendamento mercantil de pessoa jurídica, exceto de optante pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES; (COFINS)
 

 
V – despesas financeiras decorrentes de empréstimos, financiamentos e contraprestações de operações de arrendamento mercantil de pessoas jurídicas, exceto de optante pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES; (Redação dada pela Lei nº 10.684, de 30.5.2003) – (PIS)
Posteriormente tais dispositivos passaram a ter a seguinte dicção consoante modificação da lei n° 10.865/2004, a saber:
 V – valor das contraprestações de operações de arrendamento mercantil de pessoa jurídica, exceto de optante pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES; (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004 – ART. 21) – (COFINS)
V – valor das contraprestações de operações de arrendamento mercantil de pessoa jurídica, exceto de optante pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES; (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004 – ART. 37) – (PIS)
Do visto supra, as despesas financeiras, a princípio, foram excluídas do direito ao creditamento da COFINS e do PIS pelos artigos 21 e 37 da Lei n° 10.865/2004, porém, nos termos do seu artigo 27, caput, e seu § 1º referida lei estabeleceu que:
Art. 27. O Poder Executivo poderá autorizar o desconto de crédito nos percentuais que estabelecer e para os fins referidos no art. 3o das Leis nos 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, relativamente às despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos, inclusive pagos ou creditados a residentes ou domiciliados no exterior.
2o O Poder Executivo poderá, também, reduzir e restabelecer, até os percentuais de que tratam os incisos I e II do caput do art. 8o desta Lei, as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não-cumulatividade das referidas contribuições, nas hipóteses que fixar.
 

Dos dispositivos citados acima, conclui-se que, em primeiro lugar, o creditamento das despesas financeiras pelo PIS e pela COFINS deixou de ter autorização legislativa, passando esse direito do contribuinte a depender do humor do Poder Executivo que poderia ou não aceitar tal creditamento e nas alíquotas que estabelecesse.
Do mesmo modo, o Poder Executivo também poderia reduzir a 0% (zero por cento) ou restabelecer às alíquotas de 1,65% (PIS) e 7,6% (COFINS) a incidência sobre receitas financeiras.
Resta saber se se o artigo 27, caput, e seu §1º da Lei n° 10.865/2004 encontram sustentação de validez nas normas superiores do sistema jurídico positivo brasileiro.
Entendo que tanto os artigos 21 e 37 quanto à modificação do inciso V do artigo 3º da Lei n° 10.637/2002 e do inciso V do artigo 3º da Lei n° 10.833/2004, bem como o artigo 27, caput, e seu §1º da Lei n° 10.865/2004 não encontram sustentação de validez nas normas superiores do sistema jurídico positivo brasileiro. Demonstrar-se-á.
É o artigo 150, I da Constituição Federal que estabelece o princípio da legalidade estrita em matéria fiscal ao prescrever que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.
Nesse dispositivo constitucional está inserto o direito individual do contribuinte de não sofrer qualquer surpresa fiscal (princípio da não surpresa) quanto ao cumprimento de suas obrigações fiscais, a não ser que a lei em seu aspecto formal, o determine, mesmo assim resguardado o princípio da anterioridade que lhe é assegurado pelo inciso II do mesmo artigo 150 da Constituição Federal.
O princípio da legalidade estrita em matéria fiscal está regulado pelo artigo 97 do CTN que é lei complementar material encontrando-se na Constituição Federal três exceções a este princípio, a saber:
a) A primeira exceção ao princípio da legalidade está assentada no artigo 153, § 1° da CF que faculta ao Poder Executivo alterar as alíquotas do Imposto sobre Importação (II), Imposto sobre Exportação (IE), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
b) A segunda está contida no artigo 177 § 4°, I, “b” da Constituição Federal e abre a possibilidade de o Poder Executivo reduzir ou restabelecer a alíquota da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível.
c) A terceira exceção, introduzida pela Emenda Constitucional n° 33/2001, é a contida no art. 155, § 4°, IV da CF, permitindo aos Estados e Distrito Federal definir as alíquotas do ICMS monofásico incidente sobre combustíveis através de Convênio específico.
Devo observar que somente a Constituição Federal pode estabelecer exceções ao princípio da legalidade em matéria tributária, porém, alguns autores também arrolam como exceção à legalidade estrita o disposto no § 2º do artigo 97 do CTM, que dispõe não constituir majoração de tributo a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.
É de ser observado que o citado dispositivo não trata de majoração de tributo, mas de atualização de sua base de cálculo para recompô-la em face da inflação.
Assim, não é propriamente uma exceção ao princípio da legalidade estrita em matéria fiscal, mas o clarear da diferença entre majoração de tributo e atualização do mesmo, através da recomposição de sua base de cálculo em face da inflação.
Devo esclarecer também que o § 6º do mesmo artigo 150 da Constituição Federal também consagra este princípio da legalidade quanto as isenções e outras formas de dispensa ou redução do pagamento de tributos, a saber:
6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
Postas essas considerações nesse breve estudo, torna-se fácil entender que as contribuições ao PIS e à COFINS por não se constituírem em exceções permitidas pela própria Constituição, estão umbilicalmente ligadas ao princípio da legalidade estrita em matéria tributária, não podendo ter suas alíquotas reduzidas ou restabelecidas por decreto.
Sendo assim, o artigo 27, caput, e seu §2º são inconstitucionais vez que não encontra sustentação de validade quer na Constituição Federal, quer no CTN.
Poderiam então ser modificados pelos artigos 21 e 37 da Lei n° 10.865/2004 o inciso V do artigo 3º da Lei n° 10.637/2002 e o V do artigo 3º da Lei n° 10.833/2004 para excluir o direito ao creditamento do PIS e da COFINS sobre as despesas financeiras ao mesmo tempo em que a respectivas receitas financeiras são tributadas?
Essa questão será abordada no tópico a seguir.
3 – Ofensa ao princípio da não cumulatividade do PIS e da COFINS. Impossibilidade de compensação das despesas financeiras.
É o parágrafo 12 do artigo 195 da Constituição, ali introduzido pela EC n° 42/2003, que estabelece o seguinte:
 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Do disposto supra já se verifica que cabe à lei somente definir os setores de atividade econômica nos quais a exigência das mencionadas contribuições será não cumulativa.
Não cabe, portanto, à lei e muito menos a qualquer ato administrativo, restringir o direito à não  cumulatividade previsto na Constituição.
Assim, se sequer a lei pode restringir o direito de creditamento, é possível afirmar que, com maior propriedade, naquilo em que a lei silenciar a não cumulatividade será integral e o direito de crédito totalmente assegurado.
De outra banda, o princípio da não-cumulatividade está descrito em outros dispositivos constitucionais insertos no artigo 153, IV, §3º, II e 155, II, §2º, I da Constituição Federal de onde se pode perfeitamente entender os seus alcances aplicáveis à não cumulatividade do PIS e da COFINS.
Nota-se dos mencionados dispositivos constitucionais que o princípio da não cumulatividade objetiva evitar a chamada tributação “em cascata” ou cumulativa ou de “imposto sobre imposto”.
Observa-se, no caso dos dois impostos mencionados, o IPI e o ICMS, respectivamente, que a cumulatividade é evitada abatendo-se do imposto devido o imposto pago na etapa anterior da produção ou circulação do bem. É o chamado regime de não cumulatividade denominado “tributo contra tributo”.
Ocorre que para o cumprimento do princípio da não cumulatividade também é possível que a imposição fiscal recaia sobre o “valor agregado” o qual é apurado no sistema “base contra base”, ou seja, do valor dos produtos ou serviços vendidos em determinado período deve ser abatido o valor dos insumos adquiridos no mesmo período de apuração.
No caso do PIS/COFINS (art. 195, §12 da CF) verifica-se que o Texto Constitucional, simplesmente determinou que o legislador ordinário pode escolher qual o setor de atividade econômica ficará sujeito ao princípio da não cumulatividade, no entanto, não especifica a forma de apuração desta tributação não cumulativa e, assim, poderá o legislador ordinário estabelecer somente se adotará a lei o sistema “tributo contra tributo” ou o sistema “base contra base”.
Assim, uma vez escolhido o setor de atividade econômica sujeito ao princípio da não cumulatividade esta deve ser cumprida em todo o seu alcance, não podendo o legislador ordinário, por qualquer forma, restringir a aplicação deste princípio, mediante exclusões de direitos de creditamentos na aquisição de insumos ou despesas necessárias à obtenção das receitas tributadas, pois dessa forma estará, pelo menos parcialmente, promovendo a tributação “em cascata” ou cumulativa ou “imposto sobre imposto”.
Não pode, assim, “criar” uma “pseudotributação não cumulativa” o que não é permitido pela Constituição, o que leva à conclusão de que sequer pode a lei restringir o direito à não cumulatividade do PIS e da COFINS e muito menos Decretos , Portarias ou quaisquer Instruções administrativas.
Sendo assim, se a Lei n° 10.865/2004 por seu artigo 21 excluiu as despesas financeiras do direito ao crédito a ser abatido das receitas financeiras para incidência do PIS/COFINS, a imposição das receitas financeiras implica em uma “pseudotributação não cumulativa” em total ofensa ao disposto no §12 do artigo 195 da Constituição Federal.
Com efeito, a imposição fiscal é não cumulativa ou é cumulativa mesmo que parcialmente.
Não é possível haver uma imposição “mais ou menos não cumulativa”, pois, nesse caso será cumulativa mesmo que parcialmente.
Assim, os artigos 21 e 37 da lei n° 10.865/2004 ao excluírem o direito de creditamento do PIS e da COFINS sobre as despesas financeiras, alterando o  inciso V do artigo 3º da Lei n° 10.637/2002 e o V do artigo 3º da Lei n° 10.833/2004,   finda por ofender o princípio da não cumulatividade inserto no §12 do artigo 195 da Constituição Federal ao tributar as receitas financeiras dos contribuintes sujeitos a tal regime de tributação, ao mesmo tempo em que não admite o creditamento sobre as despesas financeiras do mesmo período de apuração dos referidos tributos.
V – Conclusões.
Do exposto anteriormente, a imposição pelo PIS e pela COFINS das receitas financeiras daquelas empresas sujeitas ao regime de tributação não cumulativa é inconstitucional por:
1º – Ofender o princípio da isonomia inserto no inciso II do artigo 150 da Constituição Federal, pois a incidência ou a não incidência destas contribuições sobre as receitas financeiras se dá:
a) – Em razão da “ocupação do contribuinte”, ou seja, da atividade profissional que exerce; e,
b) – Em função da forma de apuração do imposto de renda das pessoas jurídicas – IRPJ e da contribuição social sobre os lucros da sociedade – CSLL, fato que nada tem a ver com as hipóteses de incidência do PIS e da COFINS, cuja base de cálculo é a RECEITA para qualquer dos regimes de apuração, cumulativo ou não cumulativo.
2º – E também inconstitucional por ferir o princípio da legalidade estrita em matéria fiscal, tendo em vista que quanto ao PIS e à COFINS o Poder Executivo não pode reduzir e restabelecer alíquotas por decreto.
3º – Finalmente, os artigos 21 e 37 da lei n° 10.865/2004 ao excluírem o direito de creditamento do PIS e da COFINS sobre as despesas financeiras findam por ofender o princípio da não cumulatividade inserto no §12 do artigo 195 da Constituição Federal ao tributar as receitas financeiras dos contribuintes sujeitos ao regime não cumulativo de tributação, ao mesmo tempo em que não admite o creditamento sobre as despesas financeiras.

Exclusão do ICMS da base da COFINS: o erro conceitual do STF

A decisão do Supremo Tribunal Federal que, nos autos do Recurso Extraordinário n. 240.785/MG decidiu pela exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS numa ação proposta por uma distribuidora de peças traz em seu ponto central uma confusão conceitual.
O argumento central do voto do ministro relator, ao nosso ver, está contido no seguinte parágrafo:
“A base de cálculo da Cofins não pode extravasar, desse modo, sob o ângulo do faturamento, o valor do negócio, ou seja, a parcela percebida com a operação mercantil ou similar. O conceito de faturamento diz com riqueza própria, quantia que tem ingresso nos cofres de quem procede à venda de mercadorias ou à prestação dos serviços, implicando, por isso mesmo, o envolvimento de noções próprias ao que se entende como receita bruta. Descabe assentar que os contribuintes da Cofins faturam, em si, o ICMS. O valor deste revela, isto sim, um desembolso a beneficiar a entidade de direito público que tem a competência para cobrá-lo. A conclusão a que chegou a Corte de origem, a partir de premissa errônea, importa na incidência do tributo que é a Cofins, não sobre o faturamento, mas sobre outro tributo já agora da competência de unidade da Federação. No caso dos autos, muito embora com a transferência do ônus para o contribuinte, ter-se-á, a prevalecer o que decidido, a incidência da Cofins sobre o ICMS, ou seja, a incidência de contribuição sobre imposto, quando a própria Lei Complementar nº 70/91, fiel à dicção constitucional, afastou a possibilidade de incluir-se, na base de incidência da Cofins, o valor devido a título de IPI. Difícil é conceber a existência de tributo sem que se tenha uma vantagem, ainda que mediata, para o contribuinte, o que se dirá quanto a um ônus, como é o ônus fiscal atinente ao ICMS. O valor correspondente a este último não tem a natureza de faturamento. Não pode, então, servir à incidência da Cofins, pois não revela medida de riqueza apanhada pela expressão contida no preceito da alínea “b” do inciso I do artigo 195 da Constituição Federal.”
Vejam que a discussão é sobre o conceito de faturamento do art. 195, I, b) da Constituição Federal.
Na prática, decidiu o STF que a parcela do ICMS próprio destacado em Nota Fiscal não pode ser considerado faturamento, pois é recolhido para o Estado-membro.
Porém, há um erro conceitual nesta assertiva. Se não vejamos:
Vamos considerar uma venda de determinado produto por R$ 100,00. Um comércio compra este produto pelo preço de R$ 100,00 e na nota do fornecedor ele se credita (desde que optante pelo lucro real ou pelo lucro presumido) de 17% ou 18% de ICMS, dependendo do Estado-membro. Vamos trabalhar com a alíquota de 17%. No momento da venda, o comércio aplicará uma margem de lucro e venderá o item por R$ 110,00, destacando 17% de ICMS.
Neste exemplo, o comércio se creditou de R$ 17,00 de ICMS e se debitou de     R$ 18,70. No Livro de Apuração de ICMS do mês em referência o valor a recolher para o Estado-membro de ICMS será de R$ 1,70, exatamente o imposto incidente sobre a margem de lucro aplicada (R$ 10,00). Portanto, podemos concluir que o ICMS não incide sobre o faturamento (R$ 110,00), mas sim sobre a margem de lucro (R$ 10,00).
Aqui está a confusão conceitual. Fica a pergunta: como excluir R$ 17,00 de ICMS próprio da base da COFINS se foi recolhido R$ 1,70 de ICMS?
A resposta é assustadora: o STF confundiu a base de cálculo do ICMS, esquecendo que, apesar do Brasil ter adotado o regime não-cumulativo, a matriz do ICMS continua sendo o valor agregado, a margem de lucro e não o faturamento, portanto, não se pode excluir o ICMS do “faturamento” sem considerar o crédito apropriado.
Não vamos sequer referir que na base de cálculo do crédito da COFINS não há determinação na legislação para excluir o ICMS próprio destacado, e assim no crédito o ICMS compõe a base da COFINS, assunto que vamos deixar para outra oportunidade e que engrossa a discussão contra os termos da decisão e que deixou de ser considerada no voto em tela, o que vai influenciar também o resultado prático na aplicação da decisão.
Podemos concluir, destarte, que há um erro conceitual na decisão do STF que exclui o ICMS da base de cálculo da COFINS, pois o montante de ICMS a ser recolhido ao Estado-membro jamais foi o ICMS próprio destacado na nota fiscal, mas sim o resultado do confronto entre o crédito pelas entradas e o débito pela saída verificado no Livro de Apuração, ponto fundamental não analisado pela decisão aqui analisada.