sexta-feira, 10 de abril de 2015

Exclusão do ICMS da base da COFINS: o erro conceitual do STF

A decisão do Supremo Tribunal Federal que, nos autos do Recurso Extraordinário n. 240.785/MG decidiu pela exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS numa ação proposta por uma distribuidora de peças traz em seu ponto central uma confusão conceitual.
O argumento central do voto do ministro relator, ao nosso ver, está contido no seguinte parágrafo:
“A base de cálculo da Cofins não pode extravasar, desse modo, sob o ângulo do faturamento, o valor do negócio, ou seja, a parcela percebida com a operação mercantil ou similar. O conceito de faturamento diz com riqueza própria, quantia que tem ingresso nos cofres de quem procede à venda de mercadorias ou à prestação dos serviços, implicando, por isso mesmo, o envolvimento de noções próprias ao que se entende como receita bruta. Descabe assentar que os contribuintes da Cofins faturam, em si, o ICMS. O valor deste revela, isto sim, um desembolso a beneficiar a entidade de direito público que tem a competência para cobrá-lo. A conclusão a que chegou a Corte de origem, a partir de premissa errônea, importa na incidência do tributo que é a Cofins, não sobre o faturamento, mas sobre outro tributo já agora da competência de unidade da Federação. No caso dos autos, muito embora com a transferência do ônus para o contribuinte, ter-se-á, a prevalecer o que decidido, a incidência da Cofins sobre o ICMS, ou seja, a incidência de contribuição sobre imposto, quando a própria Lei Complementar nº 70/91, fiel à dicção constitucional, afastou a possibilidade de incluir-se, na base de incidência da Cofins, o valor devido a título de IPI. Difícil é conceber a existência de tributo sem que se tenha uma vantagem, ainda que mediata, para o contribuinte, o que se dirá quanto a um ônus, como é o ônus fiscal atinente ao ICMS. O valor correspondente a este último não tem a natureza de faturamento. Não pode, então, servir à incidência da Cofins, pois não revela medida de riqueza apanhada pela expressão contida no preceito da alínea “b” do inciso I do artigo 195 da Constituição Federal.”
Vejam que a discussão é sobre o conceito de faturamento do art. 195, I, b) da Constituição Federal.
Na prática, decidiu o STF que a parcela do ICMS próprio destacado em Nota Fiscal não pode ser considerado faturamento, pois é recolhido para o Estado-membro.
Porém, há um erro conceitual nesta assertiva. Se não vejamos:
Vamos considerar uma venda de determinado produto por R$ 100,00. Um comércio compra este produto pelo preço de R$ 100,00 e na nota do fornecedor ele se credita (desde que optante pelo lucro real ou pelo lucro presumido) de 17% ou 18% de ICMS, dependendo do Estado-membro. Vamos trabalhar com a alíquota de 17%. No momento da venda, o comércio aplicará uma margem de lucro e venderá o item por R$ 110,00, destacando 17% de ICMS.
Neste exemplo, o comércio se creditou de R$ 17,00 de ICMS e se debitou de     R$ 18,70. No Livro de Apuração de ICMS do mês em referência o valor a recolher para o Estado-membro de ICMS será de R$ 1,70, exatamente o imposto incidente sobre a margem de lucro aplicada (R$ 10,00). Portanto, podemos concluir que o ICMS não incide sobre o faturamento (R$ 110,00), mas sim sobre a margem de lucro (R$ 10,00).
Aqui está a confusão conceitual. Fica a pergunta: como excluir R$ 17,00 de ICMS próprio da base da COFINS se foi recolhido R$ 1,70 de ICMS?
A resposta é assustadora: o STF confundiu a base de cálculo do ICMS, esquecendo que, apesar do Brasil ter adotado o regime não-cumulativo, a matriz do ICMS continua sendo o valor agregado, a margem de lucro e não o faturamento, portanto, não se pode excluir o ICMS do “faturamento” sem considerar o crédito apropriado.
Não vamos sequer referir que na base de cálculo do crédito da COFINS não há determinação na legislação para excluir o ICMS próprio destacado, e assim no crédito o ICMS compõe a base da COFINS, assunto que vamos deixar para outra oportunidade e que engrossa a discussão contra os termos da decisão e que deixou de ser considerada no voto em tela, o que vai influenciar também o resultado prático na aplicação da decisão.
Podemos concluir, destarte, que há um erro conceitual na decisão do STF que exclui o ICMS da base de cálculo da COFINS, pois o montante de ICMS a ser recolhido ao Estado-membro jamais foi o ICMS próprio destacado na nota fiscal, mas sim o resultado do confronto entre o crédito pelas entradas e o débito pela saída verificado no Livro de Apuração, ponto fundamental não analisado pela decisão aqui analisada.